Festival Interativo de Música e Arquitetura começa nesta quarta(18), em Belém
Seguido de uma estreia estonteante no último dia 22 de dezembro – no Rio de Janeiro, o Palácio Petit Trianon, na Academia Brasileira de Letras, recebeu com esplendor o sopranista Bruno Sá e a pianista Priscila Bomfim - a segunda edição do FIMA aporta agora em Belém, no próximo dia 18 de janeiro, quarta-feira, mais precisamente no Palácio Lauro Sodré – Museu do Estado do Pará (MEP). Além do Rio de Janeiro e Belém, o FIMA estará presente também nos estados do Maranhão e Minas Gerais com historiadores da arte e arquitetos abrindo caminhos para que músicos brasileiros consagrados possam apresentar obras musicais que dialoguem com a arquitetura, a arte decorativa e a história destes icônicos edifícios, que representam alguns dos mais importantes patrimônios materiais do nosso país. Com patrocínio do Instituto Cultural Vale por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, todas as apresentações do FIMA têm entrada gratuita.

Não à toa que o Palácio Lauro Sodré foi escolhido para sediar o FIMA nesta edição. Situado nesta região onde o gigante rio Amazonas morre na imensidão do mar, sua história remonta a uma residência de dois pavimentos feita de taipa-de-pilão construída para abrigar seus governadores e capitães. Uma edificação simples que se tornou, na segunda metade do século XVIII, um palácio de arquitetura clássica italiana. Seu arquiteto, um artista dividido entre o velho e o novo mundo, transformou essa região tropical com seus conhecimentos europeus - um homem formado na mais importante instituição de ensino das Belas-Artes de Bolonha (Academia Clementina) e que respeitou as peculiaridades deste território, confraternizou com as populações nativas e casou-se com uma luso-brasileira. Seu nome era Antonio Landi e seu Palácio de Governo hoje é conhecido como Palácio Lauro Sodré.
No dia 18, o público poderá conferir um programa que convida para uma viagem no tempo e no espaço deste emblemático edifício. Com sua voz quente e potente, a mezzo soprano Carolina Faria, acompanhada da pianista belenense Ana Maria Adade, serão os guias musicais desta expedição que ganha ainda os comentários do renomado professor da Faculdade de História da UFPA Aldrin Figueiredo, num diálogo multissensorial entre música, arquitetura e história. A abertura será realizada pelo Coral Infanto-Juvenil Vale Música, trazendo obras que dialogam com a arquitetura, a arte decorativa e a história deste importante edifício histórico da cidade de Belém.
Programa

Abrindo com "Mãe d'Água", composição de César Guerra-Peixe, o duo musical pede licença à dona de todas as águas e de todos os rios e mares para o início da jornada. Em seguida, uma composição ainda do tempo quando o palácio abrigava, de fato, a primeira residência feita de taipa-de-pilão, a ária "Son tutta duolo" da ópera "La donna ancora è fedele", de Alessandro Scarlatti.
A obra musical da família Scarlatti, assim como a arquitetura de Antonio Landi, teve grande influência na corte portuguesa e, consequentemente, contribuiu para a construção da identidade cultural brasileira - inclusive, seu filho, Domenico Scarlatti, foi tutor musical dos infantes portugueses. Assim, da demolição da primeira construção, abre-se o espaço para criação deste deslumbrante palácio, uma construção de traços de um arquiteto generoso que sem abandonar os valores culturais de sua personalidade italiana trouxe para a Amazônia concepções técnicas e artísticas adaptadas às condições desta região tropical.
O programa segue com a ária "Divinités du Styx" da ópera "Alceste", de Christoph Willibald Gluck, uma obra escrita em 1767, mesmo ano em que se iniciaram as obras deste palácio em estilo clássico italiano e digno de governadores e capitães. Por sua vez, o recitativo "Ó pátria" e a ária "Di tanti palpiti" da ópera "Tancredi", de Gioacchino Rossini, realçam um patriotismo que aflorou principalmente depois do país ter sido alçado a Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 16 de dezembro de 1815. Para navegar nesse período, o programa ainda apresenta a modinha "Beijo a mão que me condena", do Padre José Maurício Nunes Garcia, o mais importante compositor brasileiro do fim do século XVIII e início do XIX. Filho de mestiços - um alfaiate e uma filha de escravos – o padre surpreendeu D. João VI com seu talento, a ponto de ter sido nomeado Mestre da Real Capela. Um compositor que viveu numa fase de grandes mudanças políticas, sociais e culturais testemunhando a transição entre o Brasil colonial e o Império independente, e entre o Barroco e o Neoclassicismo. Uma época na qual o Palácio Lauro Sodré sofreu diversos reparos e melhoramentos internos, mas que não alteraram seu estilo original.
O repertório segue, agora, pontuando musicalmente um acontecimento histórico ocorrido após a independência do Brasil, a Cabanagem. Um movimento formado por indígenas, pobres livres e negros que se revoltavam com a situação de miserabilidade em que viviam somada à crise política que se instalou no Brasil após a abdicação de D. Pedro I. Em 6 de janeiro de 1835, estes rebeldes tomaram de assalto este edifício e nele permaneceram até 1837, quando fugiram para o interior do Pará para continuar a luta. Para lembrar esse momento histórico, do desespero e da embriaguez da luta, dos refúgios no palácio ou na floresta, o luxuoso duo musical tocará "Matinta Pereira", de Waldemar Henrique.
Entrando no fim da segunda metade do século XIX - celebrando os salões de Belém até o início do século XX – o programa resgata o advento do ciclo da borracha e quando o então governador Augusto Montenegro reformulou toda a primeira parte do palácio, dando-lhe as características do ecletismo. Estas modificações promoveram um ajustamento decorativo ao gosto da Belle Époque, mas não alteraram significativamente as feições arquitetônicas do palácio. Para evocar essas memórias, a mezzo soprano e a pianista interpretam "Uma Lembrança", de Henrique Gurjão, seguida de "Un sogno", de Meneleu Campos, e a delicadeza da canção camerística de Carlos Gomes, com "Noces d'argent".
No final do século passado, mais precisamente em 1994, o palácio foi transformado no
seu do Estado do Pará (MEP). Para comemorar a transformação deste edifício em um espaço de celebração da cultura paraense e sua importância como um patrimônio cultural brasileiro, a música "Valsinha do Marajó", do compositor belenense Waldemar Henrique, seguida da "Canção de Cristal", de Heitor Villa-Lobos, nosso compositor maior. Finalmente, o concerto encerra com "El Negro Mar", uma homenagem ao compositor Edino Krieger, falecido em dezembro de 2022, e "Dona Janaina", de Francisco Mignone - músicas que, assim como no começo do programa, trazem o ouvinte novamente às águas.
Aulas Magmas
No dia 19 de janeiro, o FIMA também realizará aulas magmas de canto lírico para alunos de música e ouvintes ministradas pela mezzo soprano Carolina Faria, com o acompanhamento da pianista Ana Maria Adade. As masterclasses serão realizadas na Sala do Coro da Fundação Carlos Gomes, das 10h às 13h e das 15h às 18h, e as inscrições já estão abertas. Mais informações no site https://www.fima.art.br/educacional-2
II FIMA - Programação 2023
Nas semanas dos aniversários dos municípios do Rio de Janeiro e de Petrópolis, o FIMA irá celebrar dois importantes palácios destas cidades. No dia 4 de março, o festival estará no Palácio do Catete apresentando a soprano Daniela Carvalho com os comentários do pesquisador e historiador deste museu Marcus Macri. Já no dia 18 de março, celebrando os 180 anos de Petrópolis, o FIMA estará no Palácio Imperial. O coral dos Canarinhos de Petrópolis, que comemora os 80 anos de fundação de seu conjunto, irá apresentar, acompanhado ao piano pelo seu maestro Marco Aurelio Licht, um programa de música coral da época do Império trazendo obras de Marcos Portugal, Mozart, Verdi, Offenbach e Carlos Gomes, com comentário de Maurício Vicente Ferreia Júnior, diretor do museu. O FIMA também realizará um concerto de encerramento em local ainda a confirmar.
Diferentemente da edição anterior – realizada apenas no estado do Rio de Janeiro – o II FIMA, desta vez, contemplará importantes Palácios de outras cidades brasileiras. Em abril, o FIMA chega ao Palácio dos Leões, em São Luiz (MA), com participação do violinista Paulo Martelli e trazendo obras de Bach, Fernando Sor e Villa-Lobos. Em maio, finalmente será a vez de Ouro Preto (MG) receber o Festival em programação a ser anunciada em breve. A experiência do segundo FIMA também poderá ser vivida virtualmente. Além de toda programação presencial, haverá exibição online dos concertos (filmados em formato tradicional e em 360º), lançamento de websérie com notas de programa sobre os concertos e entrevistas com os convidados, e um podcast com os músicos e palestrantes.
As realizações do festival contemplam, também, aulas magnas de música gratuitas, presenciais ou remotas, com artistas convidados para o evento e o "FIMA na Escola’’. Esta última é uma ação educacional para alunos da rede pública, que nesta edição será realizada no município do Rio de Janeiro, com o objetivo de sensibilizar crianças, estimulando novos caminhos de valorização de suas identidades culturais. Tudo isso para que melhor compreendam a importância do patrimônio histórico de sua comunidade.
PROGRAMA
CÉSAR GUERRA-PEIXE (1914-1993)
Mãe d'Água
COMPOSIÇÃO: 1969
DURAÇÃO: 4 minutos
ALESSANDRO SCARLATTI (1660 -1725)
Da ópera "La donna ancora è fedele"
Ária "Son tutta duolo"
COMPOSIÇÃO: 1698
DURAÇÃO: 3 minutos
CHRISTOPH WILLIBALD GLUCK (1714 -1787)
Da ópera "Alceste"
Ária "Divinités du Styx"
COMPOSIÇÃO: 1767
DURAÇÃO: 4 minutos e 30 segundos
GIOACHINO ROSSINI (1792-1868)
Da ópera "Tancredi"
Recitativo "Ó pátria" e Ária "Di tanti palpiti"
COMPOSIÇÃO: 1813
DURAÇÃO: 8 minutos
JOSÉ MAURICIO NUNES GARCIA (1767 -1830)
Beijo a mão que me condena
COMPOSIÇÃO: s/d (ca 1808-15)
DURAÇÃO: 3 minutos
WALDEMAR HENRIQUE (1905-1995)
Da série Lendas Amazônicas
Matinta Pereira
COMPOSIÇÃO: 1933
DURAÇÃO: 2 minutos
HENRIQUE GURJÃO (1834-1885)
Uma lembrança
COMPOSIÇÃO: - s/d
DURAÇÃO: 2 minutos
MENELEU CAMPOS (1872-1927)
Un sogno
COMPOSIÇÃO: 1902
DURAÇÃO: 3 minutos
ANTONIO CARLOS GOMES (1836-1896)
"Noces d'argent"
COMPOSIÇÃO: 1892
DURAÇÃO: 3 minutos
WALDEMAR HENRIQUE (1905-1995)
Valsinha do Marajó
COMPOSIÇÃO: 1946
DURAÇÃO: 4 minutos
HEITOR VILLA-LOBOS (1887-1959)
Canção de Cristal
COMPOSIÇÃO: 1950
DURAÇÃO: 4 minutos
EDINO KRIEGER (1928-2022)
El Negro Mar
COMPOSIÇÃO: 1953
DURAÇÃO: 5 minutos
FRANCISCO MIGNONE
Dona Janaina
COMPOSIÇÃO: 1938
DURAÇÃO: 2 minutos
BIS:
ANTONIO CARLOS JOBIM
'Canta, canta mais'
COMPOSIÇÃO: 1997
DURAÇÃO: 4 minutos